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quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A esquerda europeia já sabe como responder ao capitalismo

Puclicado em Carta Maior      

A questão no século XXI não se apoia em reforma contra revolução, mas sim em que tipos de reformas podem inspirar transformações.



Leo Panitch, para o Other News
Verso Books
Durante a maior parte do século XX, a palavra “reforma” esteve comumente associada à proteção do Estado diante dos efeitos caóticos da competitividade do mercado capitalista. Atualmente é utilizada de forma absolutamente generalizada para se referir ao desmantelamento de tais formas de proteção. 
Não se trata simplesmente de uma apropriação do termo por parte daqueles que, na União Europeia e nas agências internacionais de empréstimo, estão utilizando-o como palavra-chave para as exigências de que a Grécia, por exemplo, faça mais cortes nos empregos e nos serviços do setor público. É também a forma como cada vez mais os partidos de centro-esquerda o usam. Foi assim, por exemplo, que o recém-eleito líder do Partido Democrático italiano (sucessor daquele que foi outrora o maior partido comunista da Europa Ocidental), Matteo Renzi, pediu ao governo que se mostrasse ainda mais contundente na hora de colocar em prática seu pacote de reformas econômicas. O pacote consiste em reduzir o gasto público e mudar a regulação para flexibilizar os mercados de trabalho e atrair investimento estrangeiro.
Revelando quantos são os países europeus que atualmente se empenham para “desmantelar furiosamente as formas de proteção no local de trabalho como uma tentativa de reduzir os custos trabalhistas”, um texto recente do New York Times [1] localiza sua origem nos “esforços para melhorar a competitividade” por parte do governo social-democrata alemão nos primeiros anos deste século. Isso aconteceu de tal maneira que “destruiu ainda mais a proteção do trabalhador, fomentando o auge dos “mini-empregos” de curto prazo e de baixos salários, que hoje somam mais de um quinto do emprego alemão”. 
Existe um velho debate na esquerda entre reforma e revolução. Mas ficou antiquado, e não apenas devido ao caráter extremamente limitado das perspectivas e das forças das mudanças revolucionárias. O atual significado da palavra “reforma” contrasta de maneira aguda com a forma como é utilizada pelos social-democratas há cerca de um século. Ou se não chegassem à transformação social sem submeter a sociedade ao sofrimento da revolução das reformas de aumento progressivo que se destacou sob a marca do gradualismo, estavam destinadas a promover a solidariedade social contra o mercado. 
Talvez a maior ilusão dos social-democratas do século XX fosse sua crença de que, uma vez conquistadas as reformas, elas durariam para sempre. De fato, podemos ver hoje até que ponto as velhas reformas estiveram submetidas à erosão da competitividade capitalista em escala global. Tem sido tão minadas pela lógica da competitividade que parece muito difícil ver atualmente de que maneira se poderia garantir, em nosso tempo, formas de proteção do Estado contra os mercados sem medidas adicionais consideradas revolucionárias. 
A ideia de que é inaceitável fazer algo para enfraquecer o investimento privado se tornou algo incrivelmente poderoso. É isso precisamente o que torna os políticos social-democratas de nossa época tão tímidos. E poucas dúvidas se pode ter de que, para apoiar reformas no velho sentido progressista do termo, um governo teria que colocar em prática amplos controles para impedir a fuga de capitais, e deveria socializar provavelmente instituições financeira com a finalidade de conseguir espaço suficiente para manobrar. 
O Syriza (Coligação da Esquerda Radical), da Grécia, é o único partido de esquerda que obteve grande êxito eleitoral na crise europeia, rejeitando a maneira como se definiu a reforma. Um pressuposto central de seu programa político implica também em transformar o sistema bancário em propriedade pública por meio de uma radical reconversão de seu funcionamento. Certamente, o que faz com que as elites europeias se sintam incomodadíssimas pelo fato de a Grécia ocupar o turno da presidência da UE durante os próximos seis meses é que uma nova crise política leve à eleições gerais, que poderiam transformar, com a atual maioria do Syriza nas pesquisas, Alexis Tsipras no primeiro-ministro da Grécia. 
O que tornava particularmente impressionante o programa político da “reforma radical”, aprovado pelo Syriza em seu congresso de julho de 2013, é que concluía com as seguintes palavras: “O estado em que hoje nos encontrarmos requer algo além de um programa completo elaborado democrática e coletivamente. Exige a criação e expressão do mais amplo movimento político, catalisador, militante possível... Somente um movimento assim pode levar a um governo da esquerda, e somente um movimento assim pode preservar o rumo deste governo”. 
Entretanto, os dirigentes do partido não têm mais remédio se não estiverem conscientes de que, a menos que promovam uma mudança no equilíbrio de forças no espaço deixado pelo governo do Syriza para aplicar reformas progressistas, o povo da Grécia sofreria ainda mais ao se ver economicamente penalizado e isolado. Sem dúvidas, esta é a razão por que, quando no mês passado Tsipras se apresentou como candidato do pequeno contingente de partidos de “extrema esquerda” do Parlamento Europeu para substituir José Manuel Barroso, em maio de 2014, como presidente da Comissão Europeia, ele se referiu à “oportunidade” que atualmente existe de uma alternativa de esquerda ao atual modelo europeu capitalista. 
Isso nos leva à outra face do debate sobre reforma versus revolução de um século atrás, nos lembrando o que aconteceu quando não se realizou o sonho de uma revolução na periferia da Europa desencadeando revoluções nos países capitalistas mais fortes. 
A esquerda costumava batalhar, às vezes, literalmente, nos debates sobre reforma contra revolução, parlamentarismo contra extraparlamentarismo, partido contra movimento, como se uma coisa descartasse a outra. A questão no século XXI não se apoia em reforma contra revolução, mas sim em que tipos de reformas, com que classe de movimentos populares estão comprometidos no tipo de mobilizações que podem inspirar transformações semelhantes em outros lugares, e que podem ser revolucionários o bastante para resistir às pressões do capitalismo.
Nota: [1] Americanized Labor policy is Spreading in Europe, The New York Times, 3 de dezembro de 2013.
(*) Leo Panitch é editor do Socialist Register, famoso e já clássico anuário da esquerda anglossaxã, e professor pesquisador de Ciência Política na Universidade de York, no Canadá, y coautor, junto de Sam Gindin, de The Making of Global Capitalism: The Political Economy of American Empire (Verso, Londres, 2012). 
Tradução de Daniella Cambaúva

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