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sexta-feira, 6 de setembro de 2013

OBAMA: O ENGANADOR



Bruce Ackerman*, Foreign Policy
http://www.foreignpolicy.com/articles/2013/09/03/bait_and_switch_obama_syria_congress


A virada do presidente Barack Obama na questão da Síria chega como surpresa, dados seus recentes shows de desdém pelo Congresso. Há apenas poucos meses, as revelações de Edward Snowden forçaram o Diretor da Agência Nacional de Inteligência a admitir que mentira à Comissão de Inteligência do Senado – crime punível com cinco anos de prisão. Mas nem a confissão do crime fez com que o presidente substituísse Clapper por alguma cara nova que pudesse somar-se ao Congresso em alguma operação de limpeza, depois do escândalo da Agência de Segurança Nacional.
O show seguinte de unilateralismo de Obama aconteceu em resposta ao golpe militar no Egito. A Lei de Assistência a País Estrangeiro impede qualquer ajuda a país cujo “chefe de governo devidamente eleito seja deposto por golpe militar.” Mas mesmo depois de os militares egípcios terem moído manifestantes nas ruas, a Casa Branca ainda insistia que “não é do alto interesse dos EUA” determinar “se houve golpe ou não”. Apesar de protestos do Capitólio, não se viu sinal algum de que o presidente obedeceria à lei.
Quando o drama mudou-se para a Síria, a política de Obama variou no rumo oposto. Dessa vez, os EUA não pagariam o general Abdel Fattah el-Sisi para matar manifestantes, mas passariam a bombardear Bashar al-Assad por matar civis com armas químicas – o que não está provado que tenha acontecido. O secretário de Estado John Kerry lidera a carga, e o mundo prende a respiração na angústia de esperar os primeiros ataques, depois que, surpreendentemente, Obama buscou o Congresso.
Num momento de terrível ironia histórica, a derrota do primeiro-ministro David Cameron na Casa dos Comuns, foi a causa que precipitou o desesperado movimento do presidente. Durante quase mil anos, a Constituição britânica excluiu o Parlamento de declarar guerra – o rei exigia para si esse poder, como “prerrogativa real”. Mas na guerra de George III contra seus colonos rebeldes, passou a ser imperativo para os Pais Fundadores nos EUA determinar que seu novo presidente tivesse papel diferente – e esse novo papel implicava que o Congresso tomaria, nos EUA, as decisões cruciais sobre guerra e paz. E então, dois séculos depois, o velho Parlamento Britânico reaparece para aplicar uma lição ao presidente imperial do outro lado do mundo.
Foi só em 2003, que Tony Blair decidiu que sua aventura com George W. Bush exigia algo mais que um decreto real. Para reforçar sua legitimidade democrática, Blair requereu aprovação formal do Parlamento – que obteria, porque seu partido tinha firme maioria na Casa. Mas em 2013, Cameron já não passava de cabecilha de uma vacilante coalizão Tory-Liberal, e não conseguiu os votos de que precisava.
Assim, o presidente Obama, decidido a atacar militarmente a Síria, viu-se na lamentável posição de ter conseguido ainda menos que Bush.
Por mais terríveis que tenham sido os erros da Guerra do Iraque considerada a lei internacional, Bush e Blair conseguiram, sim, montar uma formidável “coalizão de vontades”. Por mais mentiras que Bush tenha mentido à opinião pública sobre as armas de destruição em massa de Saddam Hussein, ele, pelo menos, obteve a aprovação no Congresso.
Mas, no minuto em que os britânicos pularam fora, ficou claro que a coalizão internacional de Obama seria muito menos substancial que a outra, que apoiara Bush. E, se Obama não buscasse a aprovação do Congresso, se condenaria a ser atacado pela direita e pela esquerda, se sua intervenção unilateral lhe saísse pela culatra.
Obama mostrou potente instinto de autopreservação, nessa virada de último momento. Mas o ato terá consequências muito maiores do que as que Obama pretendia obter. É possível que tivesse ganho alguma coisa, vitória rápida e rasa, se tivesse proposto resolução ao Congresso que limitasse estritamente seu uso de força a um ataque cirúrgico, como dizia pretender fazer.
Mas a proposta formal que Obama enviou ao Congresso,[1] é, perfeita e acabada, uma operação para tentar enganar todos, todo o tempo. Por aquela proposta, o presidente ficaria autorizado a “usar as Forças Armadas dos EUA”, inclusive soldados para combate em solo, e a usar força militar “dentro, para e a partir da Síria”.
Ainda mais: o presidente poderia agir para deter “o uso ou proliferação” de “armas químicas e de outras armas de destruição em massa” e intervir para “proteger os EUA e seus aliados e parceiros contra a ameaça dessas armas”.
Seria nada menos que aprovação ‘preventiva’, pelo Congresso dos EUA para intervenção militar em todo o Oriente Médio e em qualquer lugar do mundo.
Essa espantosa iniciativa de Obama, de tão espantosa, teria de levar, como levou, ao exame detalhado de suas premissas – atitude de que os EUA precisam hoje quase desesperadamente, num momento em que o governo vacila, da mais crua realpolitik no Egito, para o mais hipócrita moralismo na Síria. Além do mais, não há chance de que a maioria do Congresso una-se a John McCain e Lindsey Graham para endossar a quase inacreditável ‘carta branca’ que Obama pediu.
De fato, os deputados Chris Van Hollen (D-MD) e Gerald Connolly (D-VA) já prepararam e distribuíram um outro texto de projeto de lei a ser votado[2] que só autorizará a missão limitada – a única da qual Obama falou publicamente em todas as suas falas para a opinião pública nos EUA.
O mais importante da nova proposta, é que o Congresso insiste em limite de tempo estrito para todos os usos de força – como foi feito na autorização ao presidente Ronald Reagan para que invadisse o Líbano em 1983. Mas, considerada a enorme diferença que separa essa limitação e a autorização absolutamente ilimitada que Obama pediu, deve-se esperar que alguma barganha de último minuto gere algum tipo de ‘solução intermediária’ que satisfaça a maioria nas duas Casas.
Seja como for, o debate que virá estará marcando o fim da era do 11/9. Os próximos presidentes já chegarão bem avisados de que o povo americano já não apoia intervenções militares de vasto alcance no mundo islâmico.
E mais uma boa coisa. Embora haja quem se preocupe com alguma perda de estatura de Obama de curto prazo, a grande preocupação de todos deve começar a ser a perda de credibilidade dos EUA de longo prazo – tanto moralmente, como resultado da conduta brutal dos EUA na guerra ao terror --, quanto, estrategicamente, pelas fracassadas intervenções militares no Iraque e pela ainda mais viciosa e pervertida luta por poder no Oriente Médio. Muito mais do que reduzir os efeitos daninhos dessas políticas fracassadas, o debate que se aproxima no Congresso deve abrir as portas para reavaliação total dos fundamentos dessas políticas.
[Mas... Atenção, América Latina: Obama, o enganador, pode estar jogando muito alto, pensando em ganhar noutras frentes! OJO! ALERTA! (NTs)]
Paradoxalmente, tudo isso pode libertar Obama para que se engaje em iniciativas diplomáticas mais construtivas. A defesa de um Acordo de Livre Comércio com a Europa tem probabilidade muito mais alta de gerar resultados duradouros, que o frenesi do secretário Kerry, que tenta alucinadamente inventar um acordo entre israelenses e palestinos. A virada de Obama para a Ásia [atenção, Rússia! Atenção, China!] pode ser complementada por uma virada para a América Latina [atenção, América Latina!], cujos problemas fundamentais são sistematicamente ignorados por uma Casa Branca continuamente atropelada pela mais recente crise no Oriente Médio.
Mas tudo isso é para o futuro. O ponto crucial é perceber que algo especial está acontecendo. Uma disputa contra um déspota de liga de futebol de segunda-divisão está provocando uma grande virada na política dos EUA para o mundo. É momento em que o Congresso tem de encarar suas responsabilidades com a máxima seriedade. **************
* Bruce Ackerman é professor de Direito e Ciências Políticas em Yale e autor de The Decline and Fall of the American Republic.
[1] Texto em inglês, da proposta que Obama encaminhou ao Congresso dos EUA está em http://www.cnn.com/2013/08/31/us/obama-authorization-request-text/index.html?hpt=hp_t1. Aquela proposta, se aprovada, lhe daria poder ilimitado, para fazer o que bem entendesse [NTs].
[2] 3/9/2013, New York Times, “Senate Resolution on Syria”, RESOLUÇÃO CONJUNTA A SER VOTADA (traduzida em http://goo.gl/P0qNth).

Fonte: PÁTRIA LATINA

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