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terça-feira, 15 de janeiro de 2013

República do Congo: O difuso rosto da guerra


  
Havana (Prensa Latina) A decisão de postergar até 2013 as negociações de paz entre o governo e a guerrilha congoleses, pôs em destaque a complexidade do atual conflito bélico no leste da República Democrática do Congo (RDC).
2012 terminou e com ele se marcharam as aspirações de atingir em pouco tempo um arranjo entre as autoridades encabeçadas pelo presidente Joseph Kabila e a liderança do Movimento 23 de Março (M23), de ex-guerrilheiros incorporados ao exército e, posteriormente, voltados a levantarem-se em armas por demandas de tipo castrense.

Segundo o M23, Kinshasa não cumpriu o acordado em 2009, quando o então irregular Congresso Nacional para a Defesa do Povo (CNDP) de tutsis congoleses se uniu ao exército e enfrentou às Forças Democráticas de Libertação de Ruanda (FDLR), hutus, identificadas com os bandos participantes no genocídio ruandês de 1994.

Enquanto o conflito foi ganhando em intensidade e os guerrilheiros em força, nos últimos meses do ano outro assistente ao conflito, a missão da ONU no Congo (Monusco) começou a manejar uma variante controvertida e perigosa: incrementar a cifra de seus capacetes azuis na região leste, onde agora tem 17 mil efetivos.

As Nações Unidas -que em 1961 não evitou o assassinato do primeiro-ministro Patrice Lumumba e em 1994 contemplou quase de longe o genocídio de cerca de 800 mil e um milhão de ruandeses de conduta política moderada- manifestou sua preocupação pelo conflito na rica região oriental.

Essa decisão que poderia contaminar mais a disputa entre Kinshasa e os guerrilheiros, ao que parece se reservou, ainda que em dezembro não tenha sido completamente eliminada.

Em meados de ano, helicópteros do exército nacional e da ONU atacaram posições do M23 na província de Kivu do Norte, nas zonas de Nkokwe e Bukima, mas isso pouco afetou o estado da contenda armada, ao menos assim o notificou a guerrilha.

Incrementar o número de capacetes azuis concede evidentemente maior prioridade à solução militar que à negociação política, o que afeta à RDC, mas também tem repercussões para seus vizinhos da região dos Grandes Lagos, principalmente nos fronteiriços Ruanda e Uganda.

Apesar da periculosidade subregional do dissenso, teve entendimentos para evitar que este se eternizasse ou estendesse a zonas onde persistem problemas (étnicos, políticos, territoriais e econômicos) sem resolver, que poderiam ser lenha para esse fogo de graves consequências, onde simples escaramuças militares geram milhares de refugiados.

A variável armada parece estar excluída dos planos imediatos da zona, que já acariciou um projeto de separação de efetivos com a colocação in situ de uma força neutra, que evitaria as ações dos grupos guerrilheiros e protegeria a integridade congolesa e os limites territoriais de Ruanda e Uganda.

Uganda desempenhou um papel importante como facilitador de um intercâmbio com o governo de Kabila, quem em 2012 recebeu o apoio do eleitorado para manter-se à frente do país, em eleições das quais saiu fortalecido e com maior legitimidade para negociar.

Em Kampala houve uma cúpula da Conferência Internacional dos Grandes Lagos (CIGL) determinante para as conversas de paz, na qual teve força a iniciativa de estabelecer a força neutra em Kivu Norte, ao que também acompanharia uma retirada da guerrilha, antes de oficializar as práticas.

Tal solução parece adaptar-se melhor às condições do oriente da RDC, com sua extensa fronteira, que separa o país de Uganda, Ruanda e Burundi, mas onde operam cerca de uma dezena de destacamentos beligerantes, além do M23 e da Frente Democrática para a Libertação de Ruanda.

Também estão vários grupos armados locais e também forças burundesas e ugandesas e o chamado Exército de Resistência do Senhor, liderado por Joseph Kony, ao qual são atribuídas práticas brutais e crimes de guerra.

Neste âmbito, o aumento de efetivos estrangeiros na zona, sem outra perspectiva que combater, aumenta a complexidade no cenário político-militar, enquanto na ONU vários países se pronunciaram por evitar um desastre múltiplo no leste congolês.

De fato, recentemente os bispos do Congo Democrático reuniram-se em sessão extraordinária para denunciar a situação existente no oriente do país, especificamente na província de Kivu Norte, mas entre outras conclusões sublinharam a incapacidade da Monusco frente aos grupos armados.

A instabilidade devém parte de um conveniente negócio, por aquele preceito neoliberal de fragilizar os Estados para que estes se vejam na necessidade de ceder até o indizível, e se não o fazem correm o risco de sucumbir ante a pressão das potências e seus aliados. Na realidade, a violência é um fator que mascara uma complexa rede de saque das riquezas minerais da República Democrática do Congo (RDC), onde se acha 80 por cento das reservas mundiais de coltán (columbio e tantalio), que depois de seu processamento integram tecnologias civis e militares de última geração.

O envolvimento das multinacionais na exploração das matérias primas nesse território é considerada escandalosa, porque como resultado dos superlucros obtidos criam uma série de misérias econômicas e ecológicas, além de desempenhar um sinistro papel subversivo, quando apostam por uma ou outra guerrilha.

O país provavelmente mais rico do continente africano está imerso em um círculo de terror, que lhe dificulta levantar a cabeça e olhar adiante, para o desenvolvimento e para o fortalecimento de seu modelo institucional, ainda que neste ano as eleições presidenciais tenham demonstrado para onde se dirige a preferência da sociedade.

O Congo Democrático tratou nos passados 12 meses de escapar das trevas de um conflito, do que o chamado grupo de especialistas da ONU tratou de identificar a seus promotores na subregião, mas todos recusaram qualquer vínculo, ainda que esteja claro que sua solução tem que ser africana e respeitar a soberania congolesa.

Apesar da tentativa de afogá-la, a RDC se aferra a sobreviver nos Grandes Lagos, onde está chamada a ser um pilar do equilíbrio da África central. Consegui-lo será a obra gigante de Joseph Kabila, e que antes vislumbraram Patrice Lumumba e Laurent Desire Kabila, marcos da história congolesa assassinados em plena construção desse ideal

*Jornalista da Redação África e Oriente Médio da Prensa Latina

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