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sábado, 18 de agosto de 2012

Pão, Terra e Liberdade: A insurreição popular de 1935

 

 
“Enfim, pelo esforço invencível dos oprimidos de ontem, pela colaboração decidida e unânime do povo, legitimamente representado por soldados, marinheiros, operários e camponeses, inaugura-se no Brasil a era da liberdade sonhada por tantos mártires”.
Não se demore, imaginando quem escreveu essas palavras, sonhando com o dia em que a Revolução Socialista triunfaria no Brasil. Não se trata de esperança ou devaneio. Aconteceu de verdade. O que você leu é o cabeçalho da edição única do jornal A Liberdade, lançada em Natal (RN), em 25 de novembro de 1935, dia seguinte ao triunfo da Aliança Nacional Libertadora.
Pão, Terra e Liberdade
Quatro anos depois, a “Revolução de 30″ não mudara muito a situação do Brasil. O modelo econômico, dependente e associado ao grande capital internacional, sofria as conseqüências da crise de 1929: exportações em queda, crescimento da dívida externa e aumento dos preços no mercado interno. Os setores médios, especialmente, estavam muito insatisfeitos com o governo de Getúlio Vargas.
Até então, o Partido Comunista do Brasil atuava exclusivamente no meio do proletariado urbano, mas despertou para a necessidade de unir todos os setores descontentes com o regime, criando, para isso, a Aliança Nacional Libertadora (ANL). Esse despertar, na verdade, foi motivado pela nova política de frentes populares conduzida pela Internacional Comunista (IC), ante o crescimento do nazismo e do fascismo na Europa, com repercussão o mundo inteiro. No Brasil, os fascistas criaram a Ação Integralista Brasileira.
ANL: Um Movimento Popular
Fundada em março de 1935, a ANL cresceu com maior intensidade e rapidez do que previam seus organizadores. Seu programa se expressa nos cinco pontes seguintes:
* Suspensão definitiva dos pagamentos das dívidas imperialistas.
* Nacionalização imediata de todas as empresas imperialistas.
* Entrega das terras dos grandes proprietários aos camponeses e trabalhadores rurais que as cultivam.
* Gozo das mais amplas liberdades pelo povo brasileiro.
* Constituição de um Governo Popular, orientado pelos interesses do povo brasileiro.
O Programa da ANL correspondia ao anseio popular, tanto que em menos de quatro meses de existência legal, mobilizou dezenas de milhares de pessoas. Escritórios e comitês se instalaram em todos os Estados brasileiros. Grandes comícios marcaram todo o país. Temendo uma revolução popular, em julho de 1935 o governo Vargas rompeu com a Constituição e decretou o fechamento da ANL, acusando-a de ser um movimento comunista e subversivo. Invasão de sedes, prisão dos ativistas e simpatizantes mais destacados e proibição de manifestações públicas caracterizaram o esquema repressor do regime.
Preparando uma ação militar
Com a clandestinidade, reduziu-se enormemente a participação popular, ficando o movimento restrito, praticamente, aos militantes e simpatizantes do PCB. Diante disso, o Comitê Central do Partido decidiu preparar um levante armado, a partir de suas bases nos principais quartéis do país. Acreditava que, com os quartéis controlados pelos revolucionários, os comitês do PC mobilizariam as massas dos principais centros urbanos que, de armas nas mãos, tomariam o poder nos Estados e provocariam a queda do Governo central, instalando no país uma República Popular, fundamentada no programa da ANL.
Tomada do Poder em Natal: começa a rebelião
A insurreição de 1935 começou em Natal, no dia 23 de novembro. O Comitê Central não havia marcado essa data; havia previsão de sua ocorrência no final de dezembro, simultaneamente, em todos os Estados onde o PCB tinha organização de base nos quartéis e entre as massas urbanas. Há várias versões para a precipitação da data, como a prisão, por indisciplina, de um grupo de cabos natalenses ligados ao movimento. Luís Carlos Prestes, comandante nacional da ANL, declarou: “Não creio que tenha havido provocação. Foi um erro de agitação… O que aconteceu em Natal, fugiu ao nosso controle. A verdade é que foi um movimento espontâneo, sem ordem da direção do Partido”.
Rápida e incruenta
A tomada do 21º Batalhão de Caçadores em Natal, foi rápida e fácil. Não houve resistência. Em pouco tempo, os militantes do Partido, entre os quais havia muitos trabalhadores do porto, receberam armas e munições e tomaram o quartel da PM, a Casa de Detenção e o Esquadrão de Cavalaria. Um grupo foi ao Teatro Carlos Gomes prender as autoridades que participavam de ato solene, mas, avisados em tempo, Governador, Prefeito e secretários fugiram e refugiaram-se nos consulados da Itália e do Chile.
GPR decreta medidas populares
Insurreição vitoriosa, Natal estava nas mãos dos rebeldes na manhã de 24 de novembro. Imediatamente, o Comando da Revolução promulgou decreto destituindo o Governador Rafael Fernandes Gurjão e a Assembléia Legislativa, e instalando o Governo Popular Revolucionário, composto por operários, intelectuais e profissionais liberais.
O Governo Popular decretou a Reforma Agrária, mandando distribuir as terras improdutivas aos camponeses e baixou os preços dos alimentos e das passagens. Outras medidas foram a expropriação dos cofres do Banco do Brasil e do Banco do Estado, com a finalidade de pagar o soldo das tropas e comprar materiais, e a requisição de alimentos para distribuir com o povo faminto.
Consolidado o poder em Natal, o GPR procurou ampliar o movimento, enviando tropas para o interior. O Plano deu certo em vários municípios, mas encontrou resistência na Serra do Doutor, onde jagunços organizados por Dinarte Mariz derrotaram as tropas insurgentes.
Com a derrota no interior, sem saber da deflagração do movimento no Recife, com as notícias de que forças militares da Paraíba e do Ceará dirigiam-se para Natal, os rebeldes foram enfraquecendo o ânimo. Com o aumento das deserções, o GPR decidiu, no dia 27 de novembro, abando-nar os postos e preparar-se para o futuro. Foram quatro dias de Governo Popular Revolucionário.
Insurreição em Pernambuco
Na noite de 23 para 24 de novembro, Gregório Bezerra recebeu ordem para controlar os quartéis do Recife, tomar armas e distribuí-las com a massa popular, que o Partido se encarregaria de mobilizar e levar a pontos determinados. Praticamente sozinho, pois a maioria dos soldados estava de licença, Gregório conseguiu dominar o QG, o CPOR e o Tiro de Guerra. Nos locais combinados para a entrega das armas, ninguém apareceu. Ferido, Gregório foi levado para uma enfermaria e preso enquanto se submetia a tratamento médico.
Enquanto isso, os revoltosos obtinham êxito no 29º Batalhão de Caçadores, na Vila Militar de Socorro, Município de Jaboatão. Houve mobilização operária e popular em Jaboatão, Moreno e Tejipió, tendo sido distribuídos 10 mil fuzis e mais de 50 metralhadoras. O povo, armado, mas sem experiência e sem orientação segura e firme, pouco pôde fazer. Após quatro dias de luta, o 29º BC rendeu-se ao cerco do 20º BC de Alagoas e do 22º BC da Paraíba. Olinda ficou algum tempo em poder dos revoltosos e houve lutas esporádicas em Limoeiro, Garanhuns e Paudalho.
Massacre no Rio de Janeiro
Quando o movimento estava já derrotado em Natal e no Recife, no dia 27 de novembro se levantou o 3º Regimento de Infantaria, no Rio de Janeiro, sob o comando do capitão Agildo Barata, e também a Escola de Aviação Militar, mas ambos foram sufocados rapidamente por forças militares várias vezes superiores. O 3º RI ficou reduzido a escombros.
A repressão abateu-se violenta em todo o país, com prisões, torturas e assassinatos e dois anos depois, em 1937, as classes dominantes implantavam o Estado Novo, uma ditadura centralizada na pessoa de Getúlio Vargas, que durou nove anos.
“Que não cesse o clamor dessa voz”
Harry Berger (codinome do militante comunista alemão Arthur Ewert), enviado pela IC para acompanhar o trabalho revolucionário no Brasil, chamou a atenção para um limite sério da ANL. Dizia: ” Enquanto os comunistas não se ligarem às massas camponesas e conquistarem seu apoio, é impossível obter a vitória”. (2) No mesmo sentido é o informe de Dimitrov ao VII Congresso da IC: ” No Brasil, o PC, que construiu uma base correta para o desenvolvimento da frente única, com a fundação da Aliança Nacional Libertadora, deve fazer o máximo de esforços para estender ainda mais essa frente e atrair, antes e acima de tudo, as massas de milhões de camponeses”. (3)
Sobre 1935, avalia José Praxedes de Andrade, operário sapateiro, dirigente do PC no Rio Grande do Norte e Secretário do Abastecimento do GPR em Natal: “O povo mesmo não participou diretamente da insurreição. Só os militantes do Partido. Se tivéssemos tido mais tempo, talvez essa situação se invertesse. Mas a insurreição de 1935 mostrou que, quando o povo se revolta e pega em armas contra um regime de arbítrio, pode ser vitorioso”.(4) Gregório Bezerra, por sua vez, afirmou: “O Comando (da insurreição) não se ligou às organizações partidárias para que estas mobilizassem as massas trabalhadoras. Houvesse uma concentração operária, como estava planejado, como fizemos em agosto do mesmo ano, o movimento revolucionário teria sido diferente .(5)
Os limites e erros da insurreição de 1935, como os apontados acima, não ofuscam os raios de esperança que brilharam durante quatro dias na cidade-sol (Natal), quando o povo sofrido comemorou as primeiras medidas do Governo Popular Revolucionário, que começavam a concretizar os seus anseios de pão, terra e liberdade. Sessenta e seis anos depois, essa bandeira continua atual e ainda mais necessária para os trabalhadores brasileiros, cujos problemas se agravaram. Como conclui o Hino da ANL: Este canto é preciso que brade/ que não cesse o clamor desta voz: no Brasil há de haver liberdade/ conquistada na rua por nós”
NOTAS
1) Prestes, Lutas e Autocríticas, Editora Vozes, Petrópolis (RJ), 1982
2) Citados por Leôncio Basbaum, in A História Sincera da República, volume 3, Alfa-Ômega,1983
3) Citado pelo Jornal A Classe Operária, edição de novembro 1975, no comunicado A Gloriosa Bandeira de 1935
4) Praxedes, um operário no poder, Moacyr de Oliveira Filho, Editora Alfa-Ômega, SP, 1985
5) Memórias, Gregório Bezerra, volume 1, Civilização Brasileira, RJ, 1980

Fonte: AVERDADE

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