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quinta-feira, 12 de julho de 2012

Mudanças na economia estão no rumo certo, defende economista

 

Em entrevista à Carta Maior, José Gabriel Palma, economista da Universidade de Cambridge e especialista em economia comparada, defende as mudanças que vêm sendo implementadas pelo governo Dilma Rousseff. Segundo ele, o Brasil está fazendo a coisa certa ao mudar sua política de juros altos e sua política cambial para um modelo baseado na redução dos juros e em um ajuste da taxa de câmbio acompanhados de um programa de estímulo fiscal e de política industrial. "É uma retificação necessária", afirma. A reportagem é de Marcelo Justo.



Londres - O Banco Central da Europa e o Popular da China baixam suas taxas de juro, o da Inglaterra anuncia uma nova injeção monetária na economia para baixar as taxas dos bancos e aumentar o crédito às pequenas e médias empresas. O mundo está reagindo como pode a uma tormenta que não cessa. No Brasil, Dilma Rousseff está mudando seu modelo de alta taxa de juro e sua política cambial para um modelo baseado na redução dos juros e em um ajuste da taxa de câmbio acompanhados de um programa de estímulo fiscal e de política industrial. A Carta Maior conversou com José Gabriel Palma, economista da Universidade de Cambridge e especialista em economia comparada, que avaliou a marcha do plano Rousseff e seu impacto sobre o resto do Mercosul.

O governo do Brasil imprimiu um desvio em sua política econômica. É disso que o Brasil necessita neste momento da crise mundial?

É uma retificação necessária. Lula é um dos políticos mais hábeis da América Latina, mas acreditou que podia deixar todo mundo contente. Ele entregou o Banco Central aos monetaristas, o BNDES a setores pró-indústria, facilitou um desenvolvimento das finanças com pouca sustentação na economia real e seguiu adiante com seus programas sociais. Mas em matéria de política econômica – e este é um dos grandes ensinamentos das economias asiáticas – é preciso escolher. No cenário brasileiro, ou se segue o caminho da industrialização ou se inclina por outra estratégia econômica baseada nas finanças e nas commodities.

O PT obteve um extraordinário êxito político graças a essa estratégia porque conseguiu um amplo consenso. Aparentemente quase todos estavam felizes. O problema é que economicamente isso não funciona. Um tipo de câmbio supervalorizado é bom para as finanças, os rentistas e os serviços, mas é destrutivo para a indústria. E vice-versa. É como ocorre com um automóvel. Não se pode entregar o acelerador a um grupo, o freio a outro e a embreagem a um terceiro. O resultado foi que por default se terminou com um modelo de crescimento baseado em commodities e finanças e se abandonou a indústria. Um crescimento assim não é sustentável no longo prazo. Hoje, a indústria manufatureira brasileira é a metade do que era em 1980 em relação ao PIB. É um dos grandes processos de desindustrialização da história. Dilma Rousseff está tentando mudar isso.

No caso de Lula, não foi inevitável adotar essa política para neutralizar o medo que sua eleição havia provocado nos mercados?

Certamente havia temor nos mercados financeiros, mas a única coisa que pediam era que não houvesse uma moratória na dívida interna ou um fechamento da conta de capitais. Cabe recordar que Lula assumiu em janeiro de 2003 quando a última coisa que os Estados Unidos queriam era uma nova frente de conflito político e estavam precisando muito de aliados em sua política externa pós-11 de setembro. Além disso, a economia as finanças internacionais se reativavam fortemente com a nova política expansiva do FED. Por isso, não era necessário passar por uma mudança de direção tão dramática como a que viveu o PT com Palocci e Dirceu. Lula colocou Palocci no Ministério da Fazenda como um sinal da mudança ideológica no PT, porque ele era o único ex-prefeito do PT que havia feito privatizações em sua cidade. Além disso, nomeou Meirelles para o Banco Central, tanto para dar confiança à oposição, já que ele era deputado eleito pelo PSDB, como para dar confiança aos mercados financeiros internacionais por seu exitoso passado como banqueiro internacional.

Estas mudanças adquiriram uma dinâmica própria pró-neoliberal. É uma mudança que não obedece a uma urgente necessidade objetiva. Se bem que as coisas não estivessem uma maravilha no Brasil, tampouco havia uma bomba relógio armada. A dívida pública era muito alta, mas manejável, uma dívida externa baixa e sustentável e uma situação da balança de pagamentos que não era tão ruim. Não é que Lula tenha assumido o governo em uma situação de crise na qual os mercados ditavam a política a seguir. Lula tinha essa ilusão, acreditava que podia contentar todo mundo. E isso não é possível no longo prazo, já que leva a uma paralisia da política econômica e, dentro do contexto brasileiro naquele momento, só podia favorecer aos grupos pró-virada neoliberal do PT no plano político, e às finanças e às commodities no econômico.

Estas medidas então estão avançando na direção correta?

Hoje há um setor público que tenta assumir um papel mais ativo. Nas últimas três décadas o investimento público no Brasil não chegou a 3% do PIB. Na Índia é de 15%. Na China, 12%. O certo é que a infraestrutura brasileira está caindo aos pedaços. Isso é uma trava para o crescimento. Neste sentido vejo uma mudança. Começa-se a optar. Baixando as taxas de juro busca-se uma taxa de câmbio competitiva e favorece-se o investimento público. Agora, até onde o governo vai chegar com essa política isso ainda está por se ver. Mas o que tenho notado em minhas recentes visitas ao Brasil é que há uma consciência muito mais clara de que é preciso optar e que se precisa de uma política muito mais desenvolvimentista. Essas mudanças requerem tempo. É como mudar o rumo de um transatlântico no oceano. O efeito dessa nova política econômica não será imediato.

Essa mudança de política pode gerar tensões no Mercosul? Na Argentina, há uma tendência a pensar a favor de um Real sobrevalorizado porque isso favorece suas exportações.

É conveniente para a Argentina que o Brasil cresça. Uma economia com uma taxa de câmbio favorável para a Argentina, mas que não cresce não é uma situação ideal. Uma economia que cresça rápido pode ser um mercado muito interessante para a Argentina. Neste momento, a Argentina parece mais vulnerável que o Brasil à crise econômica mundial. O Brasil tem altas reservas que lhe dão um colchão para possíveis problemas externos. E se embora a dívida interna siga sendo um peso, parte do legado tóxico de Gustavo Franco, o setor público está relativamente equilibrado enquanto que a Argentina está mais vulnerável a mudanças bruscas tanto por sua situação de reservas como pela situação do setor público, tão dependente do setor externo.

No marco da política mais ampla do Mercosul, está se adotando uma política de bloco correta para enfrentar a atual crise mundial?

Em geral, os países do Mercosul tem levado adiante suas próprias políticas independente do que os demais fazem. Em um momento como o atual, o Mercosul pode ser um instrumento fundamental para que seus países sigam políticas mais concentradas no crescimento interno. Ou seja, poderia ser um grande mercado interno para os países que o constituem, o que poderia dar-lhe um eixo de dinamismo interno muito interessante. Isso não significa fechar-se para o mundo. Significa que, com uma economia e finanças externas com o nível de loucura como o atual em nível mundial exige-se que um país se relacione com o exterior com cautela e de forma seletiva.

Hoje em dia se requer políticas mais orientadas para o mercado interno e a industrialização, como estão fazendo crescentemente China e Índia. O Mercosul pode ser um instrumento fundamental para isso. Na prática, os problemas que a Argentina enfrenta agora para controlar a fuga de capitais, que incluem restrições para trocar pesos por reais, complicam essa situação, assim como também ocorre com a crescente proteção de sua indústria manufatureira.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Carta Maior

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